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Foto do escritorKarina Heid

Livros picantes na época do Reich?

Atualizado: 29 de jan. de 2020


No livro Lady Trapaça, minhas personagens são apresentadas enquanto lêem clandestinamente um romance “caliente”, escrito por uma tal Lady Malícia. Embora a cena pareça altamente improvável, já que Lady Trapaça é um romance de época que se passa em 1871 ( auge do período Vitoriano inglês e Guilhermino alemão), romances picantes já circulavam por debaixo do pano na Alemanha, e o mercado de material erótico (entre livros, cards, fotografias e o diabo a quatro) bombava.


Segundo estudiosos do assunto, a partir de 1860 - 1870 a produção e o consumo de pornografia floresceu na Inglaterra, França, Estados Unidos e também na Alemanha. A dimensão do mercado só seria entendida anos mais tarde, quando o controle policial passasse a confiscar material e locais de venda desse material fossem desmascarados.


Mas como poderia haver um crescimento de material sexualmente explícito durante uma época tão puritana?


Justamente por ser essa uma época tão puritana. Foi devido à rigidez desse período que a clandestinidade prosperou. E se tem uma coisa que a clandestinidade faz, é aumentar o valor e a procura por algo que não se encontra fácil.


A gente tinha que pensar no contexto em que tudo estava inserido: o controle sexual da vida das mulheres, o desprezo e desconforto pelo assunto, o medo das consequências caso o sexo fosse praticado, a pressão para a sua proibição e restrição social, o interesse em definir o que era 'sexo normal' e ‘anormal’— tudo isso denunciava a completa obsessão da época pelo assunto, e paradoxalmente, colaborava para o aumento da pornografia.


Segundo achei na Wikipedia,


“[…] sexo heterossexual entre casais era a única forma de sexo moralmente admissível. O prazer e o desejo sexual fora do casamento eram rotulados como depravados, considerados pecaminosos e sinistros. Tais formas de depravação incluíam masturbação, homossexualidade, prostituição e pornografia. A procriação era o principal objetivo do sexo, que deveria ficar dentro dos limites do lar.”



Prostituição em Berlim durante o Kaiserzeit. Créditos: Tagesspiel.de


Segundo Stark (2014), o Reich trouxe consigo um interesse renovado pelo "sexo". Por causa da questão pública e a preocupação social (por doenças, superpopulação, etc ) o debate sobre o assunto surgiu, fazendo com que o estado passasse a se interessar pela conduta sexual de seus cidadãos. Como ele decidiu fazer isso? Reforçando a tradição, controlando excessos e reprimindo anormalidades.


Surgiram daí (geralmente com aprovação e apoio oficiais) expoentes dispostos a "purificar e moralizar as massas”, personalidades que tentavam ensinar ao povo o que podia, devia e não devia ser feito. O autor completa: “Ironicamente, pode ter sido precisamente esse movimento pudico, que reprimia a não-conformidade, que produziu uma inundação sem precedentes de pornografia no mercado por volta do fim do século XIX”.


Alguém aí duvida que a repressão atiça o povo?


O banimento de material de cunho sexual e a repressão de atividades sexuais levou o assunto para a clandestinidade, e a Alemanha de 1871 era uma prova disso. Com a proibição, o produto que passava de mão em mão no mercado negro ficou tão lucrativo que mais e mais pessoas sentiram-se tentadas a produzir e comercializar material pornográfico. Para consolidar sua tese, Stark cita Foulcault:


Foucault falava de uma "espiral do poder do prazer,” na qual a repressão sexual e a evasão clandestina se reforçavam mutuamente. [...] O exercício do poder envolve um certo prazer. O censor, por exemplo, acha pessoalmente satisfatório, talvez até sexualmente excitante, investigar, monitorar, espionar, desenterrar, controlar e punir materiais ilícitos e atividades sexuais não-ortodoxas. Mas há também um certo prazer envolvido em enganar e zombar do censor, violando seus tabus e fugindo ou resistindo a seu poder.” (Stark, 2014)

"Seja qual for a causa, havia na Alemanha imperial um próspero comércio dedicado ao entretenimento erótico. Embora as informações sobre esse comércio ilegal e subterrâneo de material pornográfico sejam escassas, é claro que o setor atendeu a uma ampla variedade de gostos públicos. Homens podiam comprar charutos e suportes de cigarro na forma de pessoas nuas, caixas de bugigangas decoradas com cenas sexuais, ou órgãos genitais (masculinos ou femininos) de borracha. No natal, por exemplo, padeiros de Berlim ofereciam doces de marzipan em forma de falo, ou para gostos mais tradicionais, os tradicionais corações alemães de pão de gengibre com versos duvidosos escritos em glacê branco.



Embora circulasse muita coisa pela Alemanha, a forma mais difundida e disponível de mercadoria erótica eram os livros pornográficos, panfletos, jornais, cartões postais e fotografias. Dezenas de empresas dedicavam-se quase que exclusivamente à produção e distribuição desses materiais, mas as empresas alemãs forneciam só uma parte dessa produção pornográfica. Um grande número de fornecedores de pornografia para o público alemão operava a partir de Viena, Budapeste, Amsterdã, Paris ou Bruxelas. A produção era impressa nesses países e contrabandeada para o Reich, onde era vendida clandestinamente em lojas de charutos e tabaco. Em alguns casos, eles abasteciam seus clientes individualmente pelos correios!!


E o controle disso, existia?


Então, não existia no começo, mas logo passou a existir. A polícia começou a fechar o cerco por volta de 1872, e continuou durante todo o império até a eclosão da primeira Guerra, em 1914. Segundo relatos, a polícia de Berlin ficou chocada ao descobrir, em 1911, que inúmeras lojas de "massagens" e "manicures" na verdade não praticavam massagem nem faziam as unhas. O que eles faziam? Você pode imaginar :)


As fofocas que descobri lendo esse material foram tantas que eu poderia continuar o post infinitamente, falando sobre a surpresa da polícia em descobrir todo tipo de material em diferentes classes sociais ( imagine, eles não esperavam encontrar o tanto de revista sadomasoquista nas casas da elite. Amados?!?). Até do príncipe entrou na dança.


E a mulher, nisso tudo?


Quando a gente fala em material pornográfico, a gente geralmente pensa em material para o público masculino contendo (mas não só )mulheres, certo? Então, nessa época surgia a mulher como objeto de desejo. Da Wikipedia:


"Nesse momento, os papéis sexuais entre homens e mulheres estavam sendo desenvolvidos e redefinidos. As mulheres eram cada vez mais definidas em termos de feminilidade, subordinação e objeto de desejo sexual. Os procedimentos estéticos e médicos eram direcionados às mulheres para acentuar seu apelo sexual. […].”

Uma outra coisa interessante que descobri foi que a maioria do material não era muito explícito, e sim mais "sugerida". A nudez explícita era rara, e a excitação vinha do processo de se despir. Em vez de seios ou nádegas, as pernas eram uma parte do corpo importante para a excitação sexual.


E os livros que Lady Malícia escreve?

Embora os livros de Lady Malícia não contenham abertamente cenas eróticas, elas incentivam a imaginação. Eles também invertem os papeis: ao invés de literatura para o público masculino, Lady Malícia narrava romances que agradariam as mulheres — caso elas tivessem acesso a tal material. Infelizmente, é improvável que tivessem.


Espero que tenham gostado dessa descoberta! Eu amei!!


Beijos carinhosos!


Karina


























Fonte:

3) Steven Marcus, Os Outros Vitorianos: Um Estudo sobre Sexualidade e Pornografia na

Inglaterra do século XIX, 2ª ed. (New York, 1974)



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